Através do ofício nº 370/24 remetido pelo Município de ..., o Senhor Presidente da Câmara Municipal submeteu à apreciação desta Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional um pedido de parecer jurídico, que incide sobre o regime da revisão extraordinária de preços nos contratos de empreitada de obras públicas, aprovado pelo Decreto-Lei nº 36/2022, de 20 de maio, na sua atual redação.
De salientar que o pedido de parecer jurídico em questão é prestado no âmbito e ao abrigo das competências em matéria de apoio técnico às autarquias locais integradas na circunscrição territorial desta Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional, nos termos da alínea p) do nº 1 do artigo 4º do anexo ao Decreto-Lei nº 36/2023, de 26 de maio, pelo que a sua elaboração consiste apenas no enquadramento e interpretação da legislação aplicável ao caso concreto.
Relativamente às questões que se pretendem esclarecer, transcreve-se o ofício remetido pela respetiva Autarquia para melhor compreensão:
«Solicita-se, se possível, emissão de parecer relativo ao preceituado na alínea b) do nº 1 do artigo 3º do DL nº 36/2022, de 20 de maio, nomeadamente sobre o cálculo da taxa de variação homóloga.
Segundo o indicado nas FAQ do IMPIC (nº 32) "Para verificar a segunda condição, variação homóloga superior a 20%, terá de se proceder ao cálculo utilizando o índice referente ao mês de execução dos trabalhos e o índice do mesmo mês, mas do ano anterior, independentemente de este cair fora do período da obra e ser mesmo anterior à entrega da proposta. Como estamos num regime especial, estritamente para o efeito das variações de custos no "período homólogo", não tem aplicabilidade o disposto no artigo 1º nº 2 do Decreto-Lei nº 6/2004, de 6 de janeiro, alterado e republicado pelo Decreto-Lei nº 73/2021, de 18 de agosto."
Sendo o pedido efetuado em função do cumprimento da alínea a) do nº 1 do artigo 3º do DL nº 36/2022, de 20 de maio, de um determinado material, questiona-se se no decorrer da empreitada se verificar apenas variação homóloga superior a 20% num determinado mês, em que não foram executados trabalhos referentes a esse mesmo material, se considera cumprido ou não o disposto na alínea b) do nº 1 do artigo 3º do DL nº 36/2022, de 20 de maio.»
Em ordem ao exposto, cumpre informar:
1. De forma sucinta, o Município de ... pretende que lhe seja esclarecido se o critério de elegibilidade previsto na alínea b) do nº 1 do artigo 3º do Decreto-Lei nº 36/2022, de 20 de maio (i.e., se a taxa de variação homóloga do custo seja igual ou superior a 20 %) se encontra devidamente preenchido (ou não) caso, durante a execução da empreitada, determinado material apenas preencha esse pressuposto num determinado mês do contrato, em que não foram executados trabalhos referentes a esse mesmo material (presumindo-se obviamente que o critério previsto na alínea a) do n.º 1 do mesmo artigo está devidamente preenchido).
Neste contexto, importa, em primeiro lugar, referir que, no âmbito do Código dos Contratos Públicos, aprovado em anexo pelo Decreto-Lei nº 18/2008, de 29 de janeiro, na sua atual redação, doravante CCP, o contrato de empreitada de obras públicas está sujeito ao regime substantivo dos contratos administrativos em especial, regulado pelo Título II da Parte III ("Contratos administrativos em especial"), que prevê um regime próprio destinado a regular as modificações objetivas destes contratos na sua fase de execução (Secção VI).
Dessa forma, dentro das modificações objetivas do contrato de empreitada de obras públicas, encontramos o regime da revisão de preços, que nos remete para o Decreto-Lei nº 6/2004, de 6 de janeiro, alterado pelo Decreto-Lei nº 73/2021, de 18 de agosto.
De acordo com o artigo 382º do CCP, o preço contratual das empreitadas de obras públicas está obrigatoriamente sujeito a revisão ordinária de preços "em função das variações, para mais ou para menos, dos custos de mão-de-obra, dos materiais e dos equipamentos de apoio, relativamente aos correspondentes valores considerados no mês anterior à data limite fixada para a entrega das propostas" - nº 1 do artigo 1º do Decreto-Lei nº 6/2004, de 6 de janeiro, na sua atual redação.
Trata-se, portanto, de um mecanismo, que visa garantir o equilíbrio económico e financeiro do contrato, e que se destina a atualizar o preço contratualizado de acordo com as alterações que, com o tempo, previsivelmente, se verifiquem nos custos da execução das prestações ajustadas, primordialmente nos contratos de empreitadas de obras públicas.
Acontece que a situação excecional das cadeias de abastecimento e as circunstâncias migratórias resultantes da pandemia da doença COVID-19, da crise global na energia e dos efeitos resultantes da guerra na Ucrânia resultaram em aumentos abruptos dos preços das matérias-primas, dos materiais e da mão de obra com impacto nos contratos públicos.
Por essa razão, o Decreto-Lei nº 36/2022, de 20 de maio (1) , veio estabelecer um regime excecional e temporário que, através de um mecanismo de revisão de preços, visa dar resposta ao aumento abrupto dos preços, estabelecendo medidas que garantam o devido cumprimento dos contratos, especialmente nos contratos de empreitadas de obras públicas.
2. Após todo o enquadramento supra, importa agora abordar a questão formulada pelo Município. Dessa forma, é de referir, desde logo, o artigo 3º (epigrafado "Revisão extraordinária de preços nos contratos de empreitada de obras públicas") deste regime extraordinário e temporário que vem determinar os casos e a forma como pode ocorrer a revisão extraordinária de preços nos contratos de empreitada de obras públicas, o qual se transcreve para melhor compreensão:
"1 - O empreiteiro pode apresentar um pedido de revisão extraordinária de preços desde que um determinado material, tipo de mão de obra ou equipamento de apoio:
a) Represente, ou venha a representar durante a execução, pelo menos 3% do preço contratual; e
b) A taxa de variação homóloga do custo seja igual ou superior a 20 %.
2 - O pedido a que se refere o número anterior deve:
a) Ser apresentado ao dono da obra, até à receção provisória da obra;
b) Identificar, de forma devidamente fundamentada, a forma de revisão extraordinária de preços de entre os métodos previstos no artigo 5º do Decreto-Lei nº 6/2004, de 6 de janeiro, na sua redação atual, que melhor se adeque à empreitada em execução.
3 - O dono da obra pronuncia-se no prazo de 20 dias, a contar da receção do pedido, sob pena de aceitação tácita, sobre a forma de revisão extraordinária de preços proposta, podendo, em caso de não aceitação do mesmo, exclusiva e alternativamente:
a) Apresentar, de forma devidamente fundamentada, uma contraproposta;
b) Realizar a revisão de preços segundo a forma contratualmente estabelecida, sendo, para os casos de revisão por fórmula, os coeficientes de atualização (Ct) resultantes dos respetivos cálculos multiplicados por um fator de compensação de 1,1, para pedidos realizados até 30 de junho de 2023, ou 1,04, para pedidos realizados a partir de 1 de julho de 2023;
c) Incluir determinados materiais e mão de obra com revisão calculada pelo método de garantia de custos, aplicando-se aos restantes a fórmula constante do contrato, sem qualquer majoração.
4 - Se não houver acordo sobre a forma de revisão extraordinária em causa, os preços são revistos com base na contraproposta do dono da obra, ou, se esta não existir, nos termos das alíneas b) e c) do número anterior.
5 - A forma, de revisão extraordinária de preços aplica-se a todos os materiais, tipos de mão de obra ou equipamentos de apoio existentes na obra.
6 - A revisão extraordinária de preços é aplicada a todo o período de execução da empreitada.
7 - A correção das revisões de preços já apuradas segundo a forma de revisão de preços estabelecida no contrato é efetuada no mês seguinte à determinação da forma de revisão de preços.
8 - A revisão extraordinária de preços prevista no presente artigo afasta a aplicação da revisão or-dinária prevista nas cláusulas específicas constantes do contrato ao abrigo do Decreto-Lei nº 6/2004, de 6 de janeiro, na sua redação atual."
Tendo em conta o preceito legal transcrito, importa, desde logo, salientar que esta revisão extraordinária "é aplicada a todo o período de execução de empreitada" (2), ocorrendo, necessariamente, em fase de execução contratual. De seguida, verifica-se que o legislador estabeleceu como condição para aplicação do regime de revisão extraordinária de preços a solicitação expressa por parte do empreiteiro ao dono de obra, limitando essa possibilidade até à receção provisória da obra (3) (4).
Ademais, verifica-se que nem todos os contratos podem ser objeto de revisão extraordinária de preços. Para que tal aconteça, é necessário estarem reunidos cumulativamente dois pressupostos, i.e., o empreiteiro pode apresentar um pedido de revisão extraordinária de preços desde que:
I. Um determinado material, tipo de mão de obra ou equipamento de apoio represente, ou venha a representar durante a execução, pelo menos 3% do preço contratual (5) , e
II. A taxa de variação homóloga do custo seja igual ou superior a 20% (6)(7).
Assim, se um tipo de material, tipo de mão de obra ou tipo de equipamento reunir estas duas condições cumulativas, é possível proceder a uma revisão extraordinária de preços de toda a empreitada.
3. Analisando o regime constante neste artigo 3º, nomeadamente a aplicação subsidiária do Decreto-Lei nº 6/2004, de 6 de janeiro (8) e a forma que a revisão extraordinária pode revestir - um dos métodos previstos no artigo 5º do Decreto-Lei nº 6/2004 (Fórmula, Garantia de Custos ou Fórmula e Garantia de Custos) (9) -, concluiu-se que os materiais e a mão de obra a que se referem os dois pressupostos são os constantes nos indicadores económicos aprovados no Decreto-Lei nº 6/2004, de 6 de janeiro (10), e, da mesma forma, serão os índices mensais de custos de mão de obra, materiais e equipamentos de apoio, aprovados pelo Instituto dos Mercados Públicos, do Imobiliário e da Construção, I.P. (IMPIC, I.P.), que permitirão conferir se a taxa de variação homóloga é igual ou superior a 20%.
Entende-se ainda, tendo em conta a letra da lei, que o regime de revisão extraordinária de preços exige que tanto o peso específico (mínimo 3% do preço contratual) como a variação homóloga (igual ou superior a 20%) estejam associados ao mesmo elemento, bastando, no entanto, que tal aconteça relativamente a um único material (11).
Relativamente à exigência de determinado material, tipo de mão de obra ou equipamento de apoio representar, pelo menos, 3% do preço contratual, entendemos que a mesma pode verificar-se no momento da celebração do contrato ou da apresentação da proposta, uma vez que a expressão "represente, ou venha a representar durante a execução" indica esta possibilidade. Ademais, esta expressão permite ainda, claramente, que esta exigência possa verificar-se somente durante a execução do contrato, i.e., caso determinado componente passe a representar 3% do preço contratual durante a execução da obra, essa componente é elegível para admissibilidade de aplicação deste regime extraordinário e temporário, após a verificação de uma taxa homóloga do custo de igual ou superior a 20%.
Neste sentido, além do peso mínimo de 3% do preço contratual, é crucial apurar se o índice mensal correspondente, aprovado pelo IMPIC, I.P., teve uma variação igual ou superior a 20% em relação ao mesmo mês do ano anterior (taxa de variação homóloga). Para efeitos deste apuramento, entende-se, tendo em conta a letra da lei (12), que este regime não impõe que a taxa de variação homóloga se verifique, para esse material, durante todos os meses da execução da obra ou até mesmo durante um período considerável. Aliás, este regime não exige sequer que o mês correspondente ao ano anterior, cujo índice se pretende comparar com o índice de um dos meses da execução do contrato, tenha qualquer conexão com o prazo de execução do contrato.
Ademais, entende-se que o mês correspondente ao ano anterior, além de poder cair fora do período de execução da obra, pode, inclusive, ser muito anterior à entrega das propostas (13), e o mês correspondente à execução da obra não tem que ser necessariamente o mês em que os trabalhos executados utilizaram o respetivo material na empreitada.
4. Face ao exposto, e esclarecendo concretamente o solicitado pela respetiva Autarquia, concluímos o seguinte:
I. Atendendo ao enquadramento supra, verificamos que, relativamente às variações de custos no "período homólogo", as mesmas são calculadas utilizando-se o índice referente ao mês de execução dos trabalhos e o índice do mesmo mês, mas do ano anterior.
II. Este regime extraordinário e temporário não exige que a taxa de variação homóloga (igual ou superior a 20%) tenha de se verificar durante todos os meses da execução do contrato ou até mesmo durante um período considerável.
Aliás, o mês do ano anterior pode cair fora do período da obra e, inclusive, ser mesmo anterior à entrega da proposta, e o mês correspondente à execução do contrato não necessita de ser o mês em que os trabalhos executados utilizam o material em questão.
III. Logo, basta, num qualquer mês da execução do contrato, o custo de determinado material (cujo peso seja de 3% do preço contratual) tenha sofrido uma variação homóloga igual ou superior a 20 %.
_____________________________
(1) Alterado pelo Decreto-Lei nº 49-A/2023, 30 de junho, que prorrogou, através do seu artigo 2º, até 31 de dezembro de 2023 a vigência deste regime excecional e temporário.
(2) Cfr. nº 6 do artigo 3º do Decreto-Lei nº 36/2022, de 20 de maio, na sua atual redação.
(3) Cfr. alínea a) do nº 2 do artigo 3º do Decreto-Lei nº 36/2022, de 20 de maio, na sua atual redação.
(4) Caso não exista este pedido por parte do empreiteiro, o cálculo da revisão de preços é efetuado de acordo com o método estipulado no contrato e, "No caso de eventual omissão do contrato e dos documentos que o integram relativamente à fórmula de revisão de preços, aplica-se a fórmula tipo para obras da mesma natureza ou que mais se aproxime do objeto da empreitada", conforme determina o nº 3 do artigo 1º do Decreto-Lei nº 6/2004, de 6 de janeiro, alterado pelo Decreto-Lei nº 73/2021, de 18 de agosto. Por outro lado, caso ocorra uma revisão extraordinária de preços, deixa de se poder aplicar a revisão ordinária de preços prevista no artigo 382º do CCP, e concretizada no Decreto-lei nº 6/2004, de 6 de janeiro, na redação que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 73/2021, de 18 de agosto, conforme determina o nº 8 do artigo 3º do Decreto-Lei nº 36/2022, de 20 de maio, na sua atual redação.
(5) Cfr. alínea a) do nº 1 do artigo 3º do Decreto-Lei nº 36/2022, de 20 de maio, na sua atual redação.
(6) Cfr. alínea b) do nº 1 do artigo 3º do Decreto-Lei nº 36/2022, de 20 de maio, na sua atual redação.
(7) O preâmbulo do Decreto-Lei nº 36/2022, de 20 de maio, refere que "Os aumentos em causa poderão ser observados através da comparação homóloga dos índices de preços de materiais e de custos da mão de obra, referentes a dezembro de 2021 face ao mesmo mês de 2020...". Assim, a referência de variação homóloga do custo é reportada aos doze meses anteriores, ou seja, utiliza-se, portanto, o índice referente ao mês de execução dos trabalhos e o índice do mesmo mês, mas do ano anterior.
(8) Cfr. artigo 7º do Decreto-Lei nº 36/2022, de 20 de maio, na sua atual redação.
(9) Cfr. alínea b) do nº 2 do artigo 3º do Decreto-Lei nº 36/2022, de 20 de maio, na sua atual redação.
(10) Cfr. artigo 21º.
(11) Assim, os pressupostos não estão preenchidos se, por exemplo, determinado material tiver sofrido uma variação homóloga superior a 20%, mas represente apenas 1% do preço contratual.
(12) A lei deve ser interpretada "(...) mediante a conjugação do elemento literal, as palavras, com o elemento lógico e racional ou teleológico, atendendo à ratio da norma, sendo, porém, que não pode ser considerado compreendido entre os sentidos possíveis da lei, aquele pensamento legislativo (espírito, sentido) que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso - Cf. J. Baptista Machado, in Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Almedina, 2002, pp.189. Porém, como o mesmo autor refere "[s]ó quando razões ponderosas, baseadas noutros subsídios interpretativos, conduzem à conclusão de que não é o sentido mais natural e direto da letra que deve ser acolhido, deve o intérprete preteri-lo" - neste sentido, Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Norte (INF_DSAJAL_TR_4517/2023, de 17/04/2023, disponível em www.ccdr-n.pt).
(13) No mesmo sentido, o IMPIC, I. P. nas perguntas frequentes (pergunta 32) publicadas em https://www.impic.pt/impic/pt-pt/perguntas-frequentes/revisao-extraordinaria-de-precos, "32. Relativamente à taxa de variação homologa do custo de um material, de acordo com a alínea b) do nº 1 do artigo 3º do Decreto-Lei 36/2022, deverá ser contabilizada, para um determinado mês da obra, em relação ao mês anterior ao da entrega da proposta? Ou deverá ser 12 meses antes, mesmo que o mês que se obtenha em virtude disso, seja muito anterior ao da entrega da proposta? Para verificar a segunda condição, variação homóloga superior a 20%, terá de se proceder ao cálculo utilizando o índice referente ao mês de execução dos trabalhos e o índice do mesmo mês, mas do ano anterior, independentemente de este cair fora do período da obra e ser mesmo anterior à entrega da proposta. Como estamos num regime especial, estritamente para o efeito das variações de custos no "período homólogo", não tem aplicabilidade o disposto no artigo 1º nº 2 do Decreto-Lei nº 6/2004, de 6 de janeiro, alterado e republicado pelo Decreto-Lei nº 73/2021, de 18 de agosto."